Dj KL Jay, as pick ups e Ed Motta: A música Sem Fronteiras, e com sandálias de prata.
Em sua 4º Edição,o Projeto Música Sem Fronteiras, idealizado e dirigido pelo Dj e produtor KL Jay, reuniu em dois dias de espetáculo artistas de diferentes vertentes que resultaram em um memorável encontro, um virar de páginas, que repercutiu entre os amantes da música. Nesta edição , encontraram- se as pick ups de KL Jay, o piano de Ed Motta, a levada de Flow MC, Jota Gueto, e James Lino, além do samba-rock de Ully Costa do grupo Sandália de Prata, e o dub step na voz de Astrid Hage. O encontro rendeu boa música, conversa de alto nível, e revelações singulares!
Acompanhe as entrevistas com DJ KL Jay, Ed Mota e Ully Costa.
Por Leandra Silva
Entrevista DJ KL Jay
Você concebeu e dirigiu o projeto Música Sem Fronteiras. Como ele surgiu?
O Música Sem Fronteiras surgiu de uma conversa que eu tive com o diretor da rádio 105 FM. Fui lá um dia levar umas músicas para ele, e conversar por que ele era diretor da radio e a 105 é a única que toca rap em são Paulo. A gente estava conversando e num momento ele falou “a música não tem fronteiras”, ele falou com propriedade, com segurança. Aquilo entrou na minha mente, e na volta para casa eu fiquei pensando “na música sem fronteira”, música sem fronteira… e ai eu tive um momento de claridade em fazer isso acontecer, por que eu gosto de muitos estilos musicais, por mais que eu seja um DJ de hip hop, eu gosto muito de outros tipos de musica, jazz, drum&bass, musica eletrônica no geral , funk…
E agora você já esta na quarta edição, como foi desta vez?
Essa edição surgiu assim, a produtora me ligou e disse- tem uma proposta de fazer um show com o Ed Motta, o que você acha? Eu falei para ela – eu acho loko mas não dá para fazer um show só com ele, não cabe um show de 2 horas por que são praticamente dois instrumentos, e ai eu falei- vamos colocar o Ed Motta dentro do projeto Música Sem Fronteiras, e eu vou chamar outro pessoal e montar um show, e deu certo.
E como foi o processo de concepção do show?
O processo foi assim: eu tocando, pensando, tocando, ouvindo música no carro, dirigindo e pensando- o que eu faço? Pensando nas possibilidades e aí você vai juntando.
Deu medo?
Deu. Um medinho sempre dá, aquele negócio, a ansiedade de fazer logo, você fica com medo de dar errado, dos outros artistas errarem a passagem. Por que é coisa que não pode errar, por exemplo a passagem da música do Rael para o Flow MC, que entrou ao vivo, aquilo não pode ter erro, por que se errar fica feio. São duas coisas: acerto ou erro! Então isso dá medo! Dá medo de errar as passagens, de não vir ninguém, de o equipamento queimar na hora- essas coisas acontecem né? Mas deu certo, já passou o medo! ( risos)
O Ed Motta disse que vê o DJ como um guardião da música, de muita coisa que não é tocada e por isso não é valorizada. Você se sente nessa posição?
Achei loko ele falar isso. Ouvindo ele falar, eu acredito. Eu diria que o DJ é um resgatador, ele resgata. E o Hip Hop teve muito isso , resgatou o soul, o funk, o jaz , o blues, trouxe de novo, por causa do sample, de samplear e colocar batida em cima e tal.
Qual a sensação de tocar com o Ed Motta? Como é a sensação de interagir com a guitarra, o piano e você nos toca-discos?
Eu me sinto completo- eu posso tocar em uma festa, ser DJ em um show de rap, e posso tocar com o Ed Mota por exemplo, com qualquer músico. Me sinto um instrumentista, sinto que estou certo no caminho que escolhi, me sinto muito grato ao universo por poder fazer tudo isso. Me sinto parte de uma missão, é uma missão fazer isso acontecer, mostrar o real, a musica real, mostrar o que é verdadeiro, eu sinto tudo isso junto.
Já que você falou em missão, é notável que além de ser um bom DJ e Produtor, você também tem um talento para encontrar talentos. Queria que você falasse sobre as pessoas que você trouxe para o Música Sem Fronteiras! O que te chamou atenção nelas?
Talento! É uma coisa só que você tem que ver- o talento é foda ! Ele fica nítido, fazer uma coisa bem feita e com facilidade, qualquer coisa- fazer um , bolo, uma salada, um suco, jogar bola, dirigir- qualquer coisa bem-feita. Eu como DJ, estou sempre atento- o talento está no jeito de cantar, no jeito que pega o microfone, que se posiciona no palco, na segurança né? Eu percebi isso no Flow MC, no Jota Gueto , na Ully Costa. Tem muita gente que não sabe o talento que tem. A minha missão também é mostrar pra essas pessoas- ser sincero e falar- você é bom!
De que forma a música te conecta com o espírito, com o cosmo, com a vida?
Eu vou para outro lugar, parece que a música vem de outro lugar! Ela vem de outro lugar, se instala aqui e fica esperando as pessoas fazerem ela acontecer! Eu sou um canal p/ música acontecer, eu não sou a música. Não falo que sou músico, falo que sou DJ, que sou instrumentista. Você não pode achar que é maior que a música. Pra começar você não pode nem toca-la, você só ouve, é loko, existe o instrumento mas aquilo é imaterial, e o que a gente chama de imaterial é o que a gente chama de Deus, é essa energia, por isso que a música tem essa força no mundo. O mundo não acabou ainda por que existe a música, você vai p/ outro lugar, relembra, volta no passado, sente né?
Você chamas as pick ups de meninas e costuma beija-las antes do show- São suas divas?
É como se fosse minhas namoradas- duas logo! Eu via o Pelé beijar a bola antes de jogar e achava bonito! Acredito que a coisa material tem energia- Eu vejo o toca discos como uma coisa que está viva, você conecta ele com a eletricidade, e de onde é essa energia? Então se esta vivo você tem que cuidar, tratar bem, tem que passar a mão… pode ser uma viagem minha mas eu acredito. Antes de me apresentar eu beijei os dois tocas discos e o mixer- e você põe sua energia, o amor que você tem ,você põe ali….e o amor fica ali e dá tudo certo. Para mim é um instrumento vivo.
Uma das primeiras músicas do Racionais que teve grande repercussão , tinha um Sample do Tim Maia- da música “ela partiu” em um Homem na Estrada. Vinte anos depois você está no palco com o sobrinho dele, Ed Motta, existe acaso?
(Risos) Pode ser! Com o sobrinho dele, nunca vi o homem, nunca vi o Tim Maia e tô com o sobrinho dele. Eu acho que tem a energia do Tim Maia nele com certeza, é como se eu tivesse falando com um Tim Maia mais novo, ou um outro Tim Maia, não tão louco, mas engraçado que nem ele, super musical que nem ele.
Você tem filhos DJs, outra geração vem aí, o que você espera dos DJs e oque diria para quem está começando agora?
Eu espero agressividade, autenticidade, originalidade- não tenha medo de errar! Arriscar sempre, por que quando você não tem medo errar, quando você fica leve, livre, solto, você erra mas você acerta e quando você acerta é lindo ! Então não tem que ter padrão. Por exemplo o DJ não tem quem mixar a música sempre do começo- sempre vejo os caras mixarem a música do começo, você pode mixar a música do meio para frente, do refrão para frente, pode tocar a música do final e depois voltar para o começo, não tem regra- O DJ não tem que ficar seguindo regras- Tocar só o que gosta, tocar com tesão, eu espero isso do DJ, fazer bem feito, fazer com vontade, com tesão! São poucos os caras que têm isso.
Você fala muito de ser um DJ autêntico, agressivo, qual o preço disso?
Você ganha menos, toca menos, não viaja muito. Esse é o preço material, você não é bem vindo em muitos lugares. Muitos lugares não te chamam por causa do seu estilo, por que você não tem regras, não tem como mandar em você, mas você é respeitado pelos verdadeiros. Eu escolhi ser assim, ser real, original, tocar só o que eu gosto, agradar as pessoas que estão na pista , mas só com o que eu gosto, por que todo mundo percebe.
Algumas músicas fazem muito sucesso e desaparecem, outras ficam por décadas. Fale três musicas que poderiam ser tocadas daqui a 50 anos, cem anos, mil anos?
Há muitas mas como você pediu apenas três: Chaka Khan- “Do you love what you feel”, Off de Wall do Michael Jackson, e Capítulo 4, versículo 3 do Racionais Mcs.
- Música boa é?
- Aquela que te toca- que você fala caralho!! Essa é boa!
- Ser DJ?
- Um privilégio!
- As pick ups?
- Minhas namoradas
- Uma fronteira que a música te fez cruzar?
- Não ter vergonha de assumir meu gosto pela musica eletrônica, pelo drum& bass, pelo house e pelo jazz.
- Música que te cura?
- Jazz
- Música para ter coragem de levantar acedo de manhã?
- Jazz
- Música para fazer amor?
- Jazz- definitivamente, jazz
- Música para rebeldia ?
- O Hip Hop
Entrevista com Ed Motta
Por Leandra Silva
Ontem no primeiro dia do Música Sem Fronteiras você tocou uma música que você não tocava há mais de dez anos, o que aconteceu?
Tem dez anos ou mais! Acho que tem 20 anos- Foi o KL Jay que me pediu. Essa música tem até uma outra curiosidade- tinha um selo nos anos 90 que se chamava Acid jazz, que era o selo do Brand New Heavies, e esses caras queriam me contratar por causa dessa música que era do disco Entre e ouça- a “Se até as Onze”, daí eu fui para os EUA na época, acabei não levando à frente o negócio, me arrependo de não ter fechado o negócio, mas enfim, também foi bom por que eu aprendi nos EUA , esse negócio todo, fiquei lá um tempo. Mas foi muito legal quando ele me pediu, e é uma música que me traz esse monte de lembranças, foi o meu terceiro disco, que foi um disco que eu estava ali brincando com os instrumentos dos anos 70 e fico muito feliz que isso tenha durado até agora, que tenha um tipo de interesse. Não digo eu e ele, por que o KL Jay, sendo dj, pesquisa, ouve essas coisas, mas digo pessoas que estavam aqui, que as vezes nem tem o dia a dia com música, e ai ver as pessoas gostando, isso é muito gratificante.
Como você vê a figura do DJ, como foi estar com uma guitarra e interagindo com o KL Jay nas pick ups?
Eu fiquei me sentindo, como um Herbie Hancock, quando ele fez o Rock it, e ele foi pioneiro nesse lance, nessa linguagem. Acho interessante o encontro dessa música do gueto, que é o jazz , o soul, o funk, o blues, é o que está saindo das pick ups, e as pick ups do anos 80 pra cá traduziram tudo que foi feito no gueto. Os djs têm essa importância de serem guardiões do que acontece hoje, e do que aconteceu no passado. Ontem mesmo, eu estava vendo o set dele, tinha coisas atuais e tudo, mas ele tinha Milton Banana, ele tinha uma serie de coisas em que ele tem um compromisso de guardar aquilo, isso é bacana demais!
O que você acha do sample? Alguns artistas sampleados abriram processos.
Eu acho que não tem que processar, e que deve ser pago se você usa um trecho harmônico de outro artista, e também que é um direito não querer ser sampleado. Mas na verdade até algum tempo atrás, os músicos, e eu tô incluído nisso, várias vezes disseram coisas preconceituosas sobre os djs por ciúmes ( risos) ,é um ciúmes natural por que a música no formato que a gente conhece perdeu um pouco do campo, mas uma perda que não é perder exatamente, você tem que ser inteligente, tem que ser Miles Davis na vida. A guitarra tem que aparecer, e você não tem que sair correndo dizendo –ela é minha inimiga! – Se o Miles estivesse vivo com certeza estaria com duas pick ups no palco e só ele tocando.
Todo artista tem suas criações preferidas.Ao entrar em uma festa, que música sua você imaginaria o KL Jay tocando?
Engraçado, quando eu entro em um lugar e escuto minha música eu fico com um pouco de vergonha, engraçado isso, apesar de ser uma cara leonino, ( risos) sou acusado de ser egocêntrico e tudo… mas na verdade eu tenho uma vergonha do cão, bicho! Se eu tô num lugar e esta tocando a minha música eu fico- caramba!! E aí eu vou ouvindo e é claro que a gente só vê defeito né?
Mas fala, qual seria a música?
Essa pergunta é difícil, por que ele tem um gosto muito abrangente, ele gosta de soul, rap, funk, de jazz, de música brasileira, e eu faço coisas que vão por diversas áreas, então por exemplo ontem quando a gente tava no palco e eu estava vendo as duas pick ups, e a gente tocando um tema em 6×8 que foi a Um Dom pra Salvador – pra mim é um negócio emocionante, que é a junção de duas linguagens que parecem completamente diferentes mas não são, elas vieram dos mesmos Pretos Velhos, são os mesmos santos que olham por todos nós, a verdade é essa.
Você disse que entrar em estúdio é um nirvana. Há na música uma conexão espiritual?
Total. Para mim a música é, junto da natureza, olha que eu estou colocando a música naquele ponto máximo, mas o que eu posso fazer né? Eu acho que a música de todas as artes é a que tem o contato mais próximo com o divino, por que tem o inexplicável, né? A gente chega aqui e combina vamos passar essa música, vamos fazer isso, isso, e isso, mas oque a gente faz mesmo na hora não é exatamente aquilo que a gente combinou, então aí eu acho que tem a energia de Deus, tem a energia da criação.
Como você se preparou para o Sem Fronteiras?
Ele me passou as músicas, eu dei uma olhada nelas, por que a música “Se até as Onze” eu não tocava há muito tempo… e hoje ele me pediu a “Sombra do meu destino”, essa eu não toco desde 1990, tem 22 anos. Meu colegas vão falar – agente pede para você tirar, e você não tira, o KL Jay pede p/ você tirar, você tira né? ( risos). Já pediram pra eu tocar ela com banda e a gente fica meio assustado de tocar e o público ficar meio assim, por que que é uma música de um disco que a gente fica achando que ninguém lembra, mas é demais saber que lembra não é?
Você fala da música com uma paixão extrema, mas já pesou em ser alguma coisa que não músico?
Não. A música sempre foi a brincadeira favorita, antes de ser a certeza total da vida. De todas as brincadeiras da vida, de jogar queimado, ficar no gol, ( gordo sempre fica no gol né?) a brincadeira favorita era ouvir música, ouvir os discos que tinha na casa dos meus pais, discos de soul funk discos de música negra norte americana que sempre foi o forte.
Você disse que o disco “ Entre e ouça” foi difícil. Por que?
Foi um disco que eu tive muitos problemas de mercado, as pessoas não aceitaram esse disco. Praticamente, só no Sul as pessoas gostaram… eu não conseguia viajar com o disco. Hoje as pessoas no Brasil todo gostam , mas na época teve um boicote da gravadora, por que eu bati pé, não queria fazer uma música mais comercial- e ele( o KL Jay) bota para tocar em uma coisa que tem pista, que tem dança, então a gente não estava totalmente errado né?
É difícil Imaginar que um cara como Ed Motta passou por essas dores…
O tempo inteiro! Eu fico lendo as biografias dos caras que eu gosto, e você fala- não acredito que esse cara passou por isso! Fulano, cicrano, Duke Ellington, qualquer um, você fala- é mesmo? Rolou isso? Pra fulano, pra Stevie Wonder, rolou isso? Então tá tudo certo, quando acontece um piripac com agente, tá sobre controle né?
- Seu Nirvana?
- Stelly Dan
- Musica boa é ?
- A voz do Donny Hathaway
- Um instrumento?
- O piano
- Uma fronteira que o música te fez atravessar?
- O medo
- O que te adoece?
- A gordura
- O que te cura?
- A música
Entrevista com Ully Costa
Por Leandra Silva
“Foi a música que me trouxe até aqui”.
Ully Costa- do grupo Sandália de Prata
Como foi a experiência de participar do Sem Fronteiras?
É sempre uma experiência nova, ainda mais a musica que o KL Jay tinha escolhido- quando ele me falou que seria um drum& bass eu fiquei nossa! Vai ser muito diferente do que eu já fiz. A ideia é totalmente essa – juntar pessoas de várias vertentes, de vários sons, e mostrar que está todo mundo interligado através da música.
Você entrou ao vivo, passou do samba-rock para o drum& bass e voltou para o samba rock, como foi isso?
O KL Jay me mostrou uma base de música eletrônica que era um drum & bass e juntou com uma levada de samba- rock que é a “Reza forte”, e depois a gente fez só uma samba mesmo, quase um samba de terreiro que foi “Sou do samba”. É engraçado por que se você começa estudar a levada das músicas, as batidas do jongo, do maracatu, do blues , do samba, elas têm sempre uma notinha alí que vai estar associando um ritmo ao outro. É muito bacana esse tipo de projeto por que quando junta todo mundo é que você percebe realmente que a música esta totalmente interligada.
No grupo em que você canta, o Sandália de Prata, tem alguma composição que você escreveu?
Eu arrisco bem pouco a compor, mas quando eu faço alguma coisa, eu dou sorte de ela sempre agradar. Tem a “Sou do samba”, que é uma parceria minha com o Marquinhos Dikuã, tem a “Rolê na Paulicéia” que é uma parceria minha com Alê Muniz e Luciana Simões, de São Luiz do maranhão… tem várias coisas.
O que é a música boa na sua opinião?
Acho que é música com verdade. Se a música for feita com muita verdade ela vai tocar o coração de alguém que está com sede daquela música, precisando ouvir. Acho que é isso , a música feita com verdade, com respeito a quem tá tocando, a quem vai tocar, enfim, música com verdade.
Que fronteiras a música já te fez atravessar?
Muitas. Eu sou nascida e criada na periferia. Uma periferia muito pobre, sou de uma família bastante humilde. Eu comecei cantar muito nova e durante milhões de vezes na minha vida, em várias situações eu me vi em lugares que eu pensava “caramba ,eu só estou aqui por que eu faço música”, se eu não fizesse música seria muito difícil estar dentro desses espaços, no meio dessas pessoas, e isso não só pensando em lugares de muita classe. As vezes, em lugares muito simples que você esta fazendo uma pesquisa de campo para acrescentar alguma coisa na sua música, você vai a fundo em uma aldeia indígena ou num quilombo- eu estive em várias situações muito divergentes em que pensei assim “foi a música que me trouxe até aqui”.
Entrevistas cedidas durante a 4º Edição do projeto Música Sem Fronteiras
Outras Fontes:
http://www.sandaliadeprata.com.br/
http://djrmbrasil.blogspot.com.br/
Fotos – Ênio Cesar
RUBEN ALVES: ” FUI UM MAU ALUNO”
Por Leandra Silva
Um crítico e entusiasta da educação. Assim poderíamos, de leve, definir Rubem Alves. De leve por que para alguém que já passou de engenheiro a pastor, psicanalista e professor, a definição é mera formalidade. Autor de mais de 80 livros, diz, sem cerimônias: “Fui um mau aluno”, e explica de forma apaixonada o porquê. Encontramos Rubem Alves nas ondas da Rádio Facom, para uma breve prosa, Confira:
Você se formou engenheiro, como se deu o seu envolvimento com a educação?
Sabe que eu não sei como é que a coisa aconteceu, eu pensava ser engenheiro, médico, depois mudei a cabeça, fui ser pastor protestante, que tem muito a ver com comunicação, de como ensinar as pessoas, mas não sei como fui parar na educação, acho que foi por amor as crianças, por mim mesmo e por que eu achava muito divertido aprender.
Você é contra o vestibular? Por que?
Os vestibulares são inúteis e perniciosos, por que estragam o tempo que poderia ser dedicado a aprender coisas úteis e estragam o conceito do que significa pensar, por que privilegiam a memória e memória não é pensamento.
Qual seria a forma Justa de seleção?
O aluno deveria fazer um exame ao final dos graus antes do vestibular, não classificatórios, só para saber se atingiu o nível mínimo exigido, um tipo de ENEM universal, e se atingiu, significa que ele tem direito á universidade, é isso que diz a lei. Não tem que fazer classificação, pode-se fazer sorteio.Vai ter injustiça, vai, mas a injustiça será menor do que esse vestibular de agora faz, privilegiando os ricos.
Você também é um critico em relação à grade curricular.
Grade é uma palavra que me dá arrepios, grade é coisa de cadeia. Não sei quem inventou essa expressão grade curricular, por que ela diz que os conhecimentos estão em quadradinhos, em gradinhas, mas a vida não vem em quadradinhos, os currículos como estão falsificam a vida, porque a vida não vem toda quadradinha. Eu prefiro que você utilize a expressão caminhos curriculares.
Qual seria o papel do professor nesse contexto?
O professor é um sedutor… A gente tem que mostrar para as crianças que as coisas do ensino são divertidas, engraçadas, interessantes, e que é gostoso, não é só dar a matéria e dizer para criança: você tem que aprender isso. Se ela não quer aprender, não esta seduzida por aquilo, então ela não vai aprender.
Não há coisas que embora não sejam prazerosas, são necessárias?
Quando eu digo, que tem que ser prazeroso, eu digo que é preciso que faça sentido, há muitas coisas que não são prazerosas mas fazem sentido por que elas tem a ver com a vida.Por exemplo, ensinar a criança sobre os perigos de uma casa, é desagradável, mas isso é importante por que faz sentido, e ela compreenderá que isso faz sentido.
Como foi o aluno Rubem Alves?
Eu achava a escola muito desinteressante. No curso primário fui um aluno razoável, no ginásio fui um mau aluno, tirei muita nota baixa, colei demais, colei muito por que as coisas não faziam sentido, mas eu me interessava por coisas que não tinham nada a ver com a escola. Os interesses das crianças são muito diversificados, não são necessariamente os interesses que aparecem nas grades curriculares.
Como seria a escola ideal?
Eu já visitei essa escola, encontrei em Portugal. É uma escola que não tem professor dando aula e as crianças aprendem, por que elas pesquisam aquilo que é de interesse delas. Falei muito sobre isso no meu livro “A escola que sempre sonhei, sem imaginar que pudesse existir”.
Como foi a experiência de escrever o livro “A Poesia do encontro”, com a Elisa Lucinda?
A primeira vez que eu fiz isso foi com o Gilberto Dimenstein, nós fomos para editora, sem preparar nada, sem agenda sem roteiro, sem coisa nenhuma, e nós conversamos durante quatro horas sobra educação, e sai então o livro “Fomos Mau Alunos”. Depois o Gilberto Dimenstein teve a idéia de fazer algo parecido comigo e a Elisa Lucinda, e então nós nos reunimos e falamos sobre poesia um tempão… e aí surgiu o livro.
Quais foram as referências mais importantes na sua formação?
Não sei. Estudei piano, psicanálise, literatura, não foi nada sistemático. Eu não fui formado por curso que eu tenha feito, eu não acredito que os cursos mudem a cabeça das pessoas. Eu era curioso, queria ler, e perguntava. A educação depende da capacidade dos alunos de perguntar. A grande questão não é a capacidade de aprender informações, mas na capacidade de ficar curioso sobre as coisas. Foi isso que me marcou muito: uma insatisfação constante e a capacidade de fazer perguntas.
Entrevista Publicada na Revista LUPA, com colaboração de Cristiani Cardoso e ilustração de Suelen Novaes